terça-feira, 18 julho 2017 08:18

Religião, religiões Destaque

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A última Conferência de Arouca pretendeu debater o tema “As Religiões: a Guerra e a Paz”. Para conduzir a reflexão convidou Frei Bento Domingues e o jornalista António Marujo. Na sequência da última conferência permito-me juntar algumas achegas que me parecem pertinentes.

“A palavra religião pertence a uma família de curiosos e a miúdo problemáticos conceitos que nós compreendemos perfeitamente até ao momento em que procurarmos defini-los”, escreveu Zigmunt Bauman, o sociólogo da ‘modernidade líquida’, que nos deixou há bem pouco tempo. Algo de semelhante com o que acerca do tempo deixou dito Agostinho de Hipona: “Se não me perguntas o que é o tempo, sei-o; se mo perguntares já não o saberei”.

Uma coisa é a religiosidade, dimensão antropológica, congénita, de todo o ser humano – e outra são as religiões, dimensões históricas, culturais, por ela assumidas. Religiões há muitas: umas assumindo figurinos apelando mais para o transcendente, outras apelando mais para filosofias mais ou menos esotéricas e prometeicas, isto é, imbuídas do espírito de Prometeu, um dos titãs da mitologia grega, que teria roubado o fogo do Olimpo para dá-lo aos homens.

A religiosidade brota da consciência dos limites com que cada ser humano se sente confrontado na sua existência. Há um dinamismo profundo que nos habita e ultrapassa, bem patente, por exemplo, na experiência do bem e da verdade.

Um dos maiores teólogos do século passado escreveu que “o ser humano é uma pergunta para a qual Deus é a resposta” (Karl Rahner).

A religiosidade tem assumido através do tempo e do espaço concretizações as mais diversas e contraditórias. Mostra a história que crenças religiosas têm sido e continuam a ser mais um factor de violência, alimentando fanatismos e fundamentalismos. É que a crença religiosa pode sobrepor-se à própria racionalidade e produzir convicções fortes. “Uma convicção define-se pelo facto de gerir o nosso comportamento” (Habermas). A convicção consiste no facto de que quem está por ela possuído se dispõe a guiar a sua conduta por aquilo que é sua convicção. Lembremos neste contexto fenómenos históricos como as Cruzadas e a Inquisição bem como os terríveis episódios do terrorismo bárbaro que tem assolado a humanidade.

É, com efeito, enorme a força da religião. Paul Ricoeur afirma que “ a repetição mecânica de conteúdos converte-se rapidamente numa retórica de dominação, isto é, na justificação ideológica de uma determinada ordem estabelecida” (in Concilium, 163, 1981, pág. 212) A religião introduz em rituais de submissão nos quais nos sentimos seguros e tranquilos.

Questão interessante e a merecer reflexão é aquela que coloca a pergunta sobre se religião e cristianismo, que, sem dúvida, têm muito de comum, não poderão acabar numa relação espúria tal, que o cristianismo acabe contaminado, capturado e pelo menos empobrecido, para não dizer anulado, pela dimensão religiosa. É que se não pode haver cristianismo sem religiosidade, pode haver religiosidade sem cristianismo.

A. Teixeira Coelho

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