quarta-feira, 28 junho 2017 08:55

REBOBINAGEM DE UM FILME Destaque

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Os órgãos de informação trouxeram até nós – alguns numa chocante orgia mediática - os trágicos acontecimentos dos últimos dias que, para além de uma comoção mal contida e um sentimento de profunda solidariedade, calaram de um modo especial nos arouquenses. Terão até provocado a “rebobinagem do filme” de acontecimentos, uns recentes, outros nem tanto.

Na memória das populações residentes na Freita, a “menina dos olhos de Arouca”, na expressão de alguns cronistas, permanece viva a figura do guarda da floresta. Frequentemente, vem a assunto de conversa essa presença de quem era uma autoridade dos serviços florestais com competência executiva; nomeiam-se as casas dos guardas e ainda há quem decline nomes e histórias desses vigilantes, servidores do bem comum, na área da floresta; enfim, recordam-se os viveiros e o repovoamento florestal que a partir deles foi feito com recurso a mão-de-obra local.

Havia, com efeito, uma estrutura local conhecida e respeitada, apesar dos conflitos esporádicos de interesses imediatos. Foi, então, que a Freita começou a encher-se de pinheiros e outras - infelizmente pouco diversificadas - espécies; foi, então, que desaguisados entre pastores e guardas aconteceram devido a restrições impostas para compatibilizar o crescimento da incipiente cobertura arbórea e a pastagem do gado miúdo.

Embora dilapidado, frequentemente, por incêndios, o arvoredo foi crescendo e a fauna foi-se multiplicando.

Eis senão quando os guardas da floresta foram dali retirados sem que se percebesse com que objectivo ou vantagem para a Freita. E, a partir daí, a Freita tornou-se terra de ninguém, exposta a toda a espécie de vandalismos. As casas dos guardas foram sendo esventradas, roubadas, destruídas sem apelo nem agravo. A Freita tornou-se uma terra sem lei: as placas de sinalização atingidas a tiro ou roubadas, uma tentativa ingénua de instalação de binóculos neutralizada, as queimadas sucedendo-se de modo anárquico, sem o respeito pelo que está determinado…

Até que um grande incêndio, no ano passado, varreu grande parte da cobertura vegetal e matou grande parte da fauna no planalto da Freita e zonas adjacentes.

A Natureza generosa vai- se recompondo e um tapete verde recobre, hoje, o planalto, a par dos cadáveres tisnados de árvores mortas, aqui e ali.

As casas dos guardas permanecem testemunhos inequívocos de um passado que se recorda com saudade, com espanto, com revolta; permanecem, quais sentinelas derrotadas e vencidas, a levantar o dedo acusador a quem passou ao lado das suas responsabilidades … Por incompetência, por falta de meios, por inexistência de uma política florestal…? Dedos apontados a quem?

Hoje, ali permanecem, para vergonha de todos nós, testemunhos eloquentes de um tempo que gostaríamos que não tivesse acontecido.

Vale a pena uma romagem pelas casas dos guardas na Freita: a da Granja, a do Merujal, a da Cota, a da Agualva, a da Borbulha…para ali se aprender aquilo que nunca deveria ter acontecido e para que não se banalize o inaceitável.

  1. Teixeira Coelho
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