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No passado dia 20 de maio, e no quadro das “Conferências de Arouca”, Viriato Soromenho Marques foi o orador convidado do Círculo Cultura e Democracia. O professor de Filosofia da Universidade de Lisboa proferiu uma conferência subordinada ao tema “Como habitar a terra e merecer o futuro? Tarefas e desafios da sustentabilidade num mundo globalizado.”

Victor Martins, professor do ISEG (Universidade de Lisboa) nas áreas de Microeconomia e Economia do Ambiente, salientou e comentou algumas ideias no final da sua intervenção. Antes, Marcelo Pinho, vereador na Câmara Municipal de Arouca com os pelouros do Ambiente e da Gestão Urbanística, apresentou o conferencista, e fez também a moderação da discussão com a assistência na parte final.

Viriato Soromenho-Marques começou por constatar a existência de um significativo pessimismo cultural, mundial, com uma parcela da população a recear enfrentar uma catástrofe global no seu tempo de vida. Como ultrapassar esta preocupação com o futuro de modo sólido, realista, com sustentabilidade?

Prosseguiu dando nota da proposta de alguns cientistas em denominar a época geológica em que vivemos, a partir da Revolução Industrial, sensivelmente, como Era do Antropocénico, tais os efeitos decorrentes da atividade humana desde então, a todos os níveis (atmosfera, hidrosfera, criosfera, litoesfera, biosfera); mas também como forma de chamar a atenção para as ações humanas e suas consequências, criando marcas que perduram longamente, algumas irreversíveis.

Comunidades científicas que partilham desta conceção, têm verificado “uma grande aceleração antropocénica”, com crescimentos exponenciais em diversos aspetos – população, produção de riqueza, transações, uso da água, uso de fertilizantes, emissões CO2, etc – o que se traduz em realidades como as alterações climáticas, que, defende Soromenho-Marques, são um dos maiores desafios coletivos da Humanidade, que põem em risco até a sobrevivência da própria espécie.

A centralidade do limite ambiental está patente nas questões fundamentais do futuro: gerir e intervir nos desequilíbrios do ecossistema global, as questões da transição e uso energético mais racional, da biodiversidade, da segurança alimentar, a salvaguarda da esfera do espírito.

E quanto às ameaças globais, designadamente as ambientais, não há santuários que protejam, não há muros que detenham, sustentou. Defendeu que perante a crise ambiental, o caminho terá que ser enfrentar e aceitar o desafio, complexo, e não "enfiar a cabeça na areia". Encontrar as respostas complexas (e não complicadas) para os problemas complexos exige perspetiva, trabalhar à escala adequada onde as soluções se encontram e usar o capital de inteligência, engenho e criatividade da Humanidade.

Segundo Soromenho-Marques, neste mundo globalizado, é imperioso que a escala de abordagem seja uma escala global.
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Para o demonstrar apresentou uma representação de fronteiras planetárias, definidas segundo áreas transversais, sem as quais sofreríamos um colapso (perda de biodiversidade, alterações climáticas, acidificação dos oceanos, uso da água, uso da terra), por contraponto ao mapa de fronteiras políticas, estáticas, que delimitam os países, sistema de organização que não assegura os fluxos dinâmicos fundamentais do ecossistema planetário. As fronteiras políticas definem “um mundo imaginário”, mas o “planeta real” obedece às primeiras (Física, Química, Biologia). Deveremos atuar sobre as primeiras para reequilibrar a "nossa morada comum" e fazer "uma ponte para o futuro".

Neste sentido, Soromenho-Marques é apologista de um modelo de ordem internacional com partilha federal de soberania, com povos capazes de contratualizar um modelo de governança global. Se queremos combater a crise ambiental, humanizar a globalização, garantir direitos humanos, de forma verdadeiramente séria, precisamos cooperar, e isto, afirmou, já não é sequer uma escolha, é uma necessidade.

A propósito, apresentou o livro "Tratado SOS", recentemente editado, no qual contribuiu a par com cientistas, juristas, diplomatas, entre outros pensadores, projeto que se insere no conceito da "cooperação compulsória", pois segundo ele, não existe alternativa senão a cooperação entre estados.

Perante a possibilidade de ultrapassarmos os limites planetários, este projeto fundamenta e traz uma proposta de Tratado que seja um instrumento para estabelecer um regime internacional cimeiro, permitindo uma nova perspetiva para uma governança global capaz de administrar convenientemente os bens comuns do sistema terrestre, lançando assim uma mensagem com propostas concretas, associando-se ao grande debate do futuro. 

Uma das propostas é criar, em vez do atual sistema que promove e estimula uma irresponsabilidade dos atores individuais, um sistema em que o comportamento de países que zelam pela conservação dos ecossistemas, produtores de externalidades positivas, seja valorizado, e que sejam desfavorecidos os países que produzam externalidades negativas, com custos ambientais.
 
Por fim, citou ensinamentos de alguns líderes, Gandhi, Papa Francisco e Roosevelt, no mesmo sentido da sua apresentação, concluindo: “estamos obrigados à cooperação compulsória; se podermos juntar à necessidade uma escolha, ainda melhor!”

Victor Martins dedicou o seu comentário a três aspetos:
- poderão as questões ambientais, económicas e sociais, ser dissociadas? Ou seja, é possível enfrentar os problemas ambientais globais sem uma solução económica que lhe anteceda?
- começar a transição energética como forma para sair da crise (o interesse económico casa com o interesse ambiental);
- modelo de governança que conduza à transição e o modelo de "cooperação compulsória".

Depois desta intervenção, Viriato Soromenho-Marques respondeu vivamentre a algumas questões suscitadas pela assistência.

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Alguns registos fotográficos da Conferência, aqui.

Referência no jornal Discurso Directo: Conferências de Arouca:" Como habitar a terra e merecer o futuro?"